4 de set. de 2014

Alvitres de vivência

Texto escolhido pela Comissão da E.E Profa Nair Palácio de Souza - Categoria Memórias.
Prof responsável - Mazé Zanquetta


Alvitres de vivência
                Com o nascer do sol e o cantar do bem-te-vi, abrindo as pequenas pupilas numa cama de tarimba com colcha de capim surgia meu novo dia, num cantinho isolado, num sítio abençoado,  em Nova Andradina, Mato Grosso do Sul. O galo cacarejava e eu tomava um singelo e adocicado café com leite feito por mamãe que acordava tão serena todas as manhãs.
                Depois da primeira refeição matinal, juntava forças, renovava os ânimos, ia para a roça. Lembro-me vagamente de uma imensidão verde onde eu trabalhava com afinco, de sol a sol para cultivar a plantação daquele lugarejo.
                Ao meio dia, sentava embaixo de uma frondosa árvore, suas folhas pareciam me abanar para refrescar o calor do dia. Minha refeição era composta de feijão preto, arroz e mandioca, tudo fruto do nosso trabalho. Assim que terminava a refeição, meio sem jeito, fazia minha sesta de aproximadamente trinta minutos que mais parecia um intervalo tão miúdo quanto de fato era.
                Não tinha regalias, fora minha cama dura e desconfortável feita com quatro forquilhas para espreguiçar o meu corpo. O fogão era uma fornalha, onde sempre era feito uma deliciosa galinhada e da banha fazia o hidratante que eu na época usava e mesmo assim era feliz. Não era preciso muita coisa para me sentir bem.
                Muito perto dali havia um canavial que às vezes papai cortava algumas canas e fazia garapa, um caldo verde, de sabor muito peculiar.
                Quando o pôr do sol chegava, eu entrava na minha humilde casinha, que hoje seria chamada de casebre, tamanha modéstia e tão pequenina que era. Para ter uma ideia, o mictório, assim chamado na época, não compunha minha moradia. Tinha que caminhar uns cinco passos e lá estava eu, dentro de uma casinha tão minúscula, que mais parecia uma despensa muito mal feita diga-se por sinal, mas mesmo assim não desejava outra vida. Para não ficar na escuridão, meus pais acendiam a lamparina e deixavam até o  amanhecer.
                Durante a infância, mamãe fazia bonecas de pano com os retalhos que sobravam das costureiras e era minha maior diversão, pareciam dar mais vida em casa. As panelinhas que brincava eram feitas de latinhas de sardinhas e que cuidava com carinho.
                Na adolescência, lembro-me com saudades dos bailinhos que os vizinhos faziam para juntar as famílias, pois não havia muita coisa na época para nos divertir. Tomava banho, punha a melhor roupa, porém simples e ia muito asseada para dançar no chão de barro batido. Os rapazes me convidavam pra dançar e eu meio sem jeito aceitava, mas sem que percebessem minha timidez. Quando chegava em casa, percebia que tinha que me  banhar novamente, pois de tanto dançar, os pés voltavam imundos.
                Estudar então era raridade, podia-se dizer que era luxo pra mim, já que precisava mais trabalhar para ajudar no sustento da família que outra coisa, porém eu sempre gostei e era necessário. Mas recordo-me ainda que as pessoas comentavam que os estudos eram meio precários, que era a base de ler e escrever apenas.
                As lembranças são muitas, mas não apago da memória quando ganhei meu primeiro sapato. Sapato preto e de verniz, para a ocasião muito chique, considerando que até aquele momento só tinha usado alpargatas de lona com cordas nas laterais que comprava de um viajante.
                A vida seguia, mas o destino transformou o ritmo da família e dentre muitas recordações, ficou no meu coração a mais triste e severa, a morte de meu pai. Daí em diante, minha mãe viveu dias difíceis, mas continuou dando forças para que eu tivesse um futuro bom e promissor.  Ela nunca desistiu de viver, pois sabia que mesmo com tantas dificuldades, seria uma pessoa feliz.                            
Bárbara Vitória Gregório do Nascimento Pereira

Entrevista com Luzinete Gregório do Nascimento

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